O desafio para jovens não adotados que completam 18 anos
A jovem Lauana Maria Akutsu, de 18 anos, que está morando há 15 dias em uma república jovem no bairro Itaquera, em São Paulo, morou em abrigos desde os 3 anos.
“Nasci em uma família um pouco problemática, minha mãe me largou na maternidade quando era bebê. Fiquei com um pouco com a minha avó e depois voltei. Desde os 3 anos morei em abrigos”, conta a moça, que hoje trabalha na parte administrativa do São Paulo Futebol Clube.
Launa lembra que os anos passados nos serviços de acolhimento não foram fáceis. “Passei por um abrigo em que eu apanhava bastante das meninas de lá. Depois eu morei num abrigo lá do Paraná, aí voltei para São Paulo para morar com a minha avó, mas, ela teve um AVC [acidente vascular cerebral] e acabou falecendo. Aí eu fui para um abrigo de novo. Foi difícil, porque eu precisava do carinho da minha mãe, do meu pai, só que eu não tinha. Eu cresci revoltada por conta disso e sempre achei que eu era o problema de não ter um pai e mãe perto de mim.”
Ela diz que sempre quis entender por que foi abandonada pela mãe, mas que hoje aceita melhor o fato. “Queria entender o motivo pelo qual minha mãe tinha me abandonado, de não ter se importado comigo, então foi meio difícil para mim passar esses anos no abrigo, mas eu aprendi que não tem o que fazer, eu nasci numa família problemática e aqui estou eu.”
Desejo comum das crianças dos abrigos, ela também queria ter sido adotada. “Nos anos finais no abrigo, eu me senti um pouco deprimida porque estava vendo meus amigos indo para adoção e me sentia muito triste porque queria ter uma família perto de mim, queria poder sentir o amor de mãe, de pai, queria ter essa sensação de alguém para me cuidar e gostar de mim e de me apoiar nos meus sonhos”.
Hoje, ela está esperançosa, mantém os sonhos e pretende batalhar ainda pela guarda do irmão mais novo. “Agora que eu tenho 18 anos planejo terminar o ensino médio, fazer um curso técnico de moda, trabalhar como modelo fotográfica e fazer uma faculdade de estilismo, porque são duas coisas de que eu gosto muito. Também quero conseguir fazer uma casinha para poder pegar a guarda do meu irmão que está lá no abrigo.”
República Jovem
Segundo Lauana, a República Jovem Maria Maria é um bom lugar para viver. “É bastante espaçoso, arejado. Tenho muito o que aprender aqui dentro, muito o que desenvolver, estou gostando de morar na República Jovem porque dá mais oportunidade, mais autonomia. Estou gostando”, afirma a jovem.
As repúblicas jovens são um serviço administrado pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, por meio de parcerias com organizações da sociedade civil (OSCs). A república em que Lauana mora tem capacidade para acolher até seis jovens mulheres, que poderão ser encaminhadas a outros serviços, programas e benefícios da rede socioassistencial e demais políticas públicas.
A unidade é destinada a atender jovens com idade acima de 18 anos que foram abandonadas por suas famílias ou que têm vínculos fragilizados, estão em situação de vulnerabilidade social e sem condições de moradia. As acolhidas devem ter autonomia financeira para contribuir com as despesas da casa, onde podem permanecer até os 21 anos.
Na república, Lauana e as outras moradoras têm acompanhamento de um profissional para gestão coletiva da moradia, apoio na construção de regras de convívio, definição da forma de participação nas atividades domésticas cotidianas e gerenciamento de despesas.
“Serviços como esses são importantes para que os jovens tenham autonomia e sejam protagonistas de sua história, pois a república tem outra dinâmica de acolhimento, com mais liberdade e responsabilidade, para que se tornem vencedores”, destaca a secretária municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, Berenice Giannella.
Existem sete repúblicas jovens em São Paulo, localizadas em Ermelino Matarazzo, Casa Verde, Aricanduva, Lapa, Pirituba, Penha e Itaquera, as duas últimas inauguradas em fevereiro deste ano. No total, são disponibilizadas 90 vagas.
O que diz o ECA
Apesar da iniciativa paulista de instalar repúblicas, a realidade não é igual no restante do país, isto porque o próprio Estatuto da Juventude não prevê essas repúblicas como obrigatórias, destaca o advogado Ariel de Castro Alves, especialista em direitos da infância e juventude, membro do Instituto Nacional do Direito da Criança e do Adolescente. “A legislação é falha ao não obrigar os municípios a manterem repúblicas para jovens. Eles têm direito previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de ficar nos abrigos até completar 18 anos. Depois acabam sendo excluídos dos serviços de acolhimento e ficam sem qualquer apoio. Todo investimento feito para manter essas crianças e adolescentes dignamente e protegidas nos serviços de acolhimento cai por terra quando são expulsos aos 18 anos dos abrigos. Muitos vão morar nas ruas, outros se envolvem com drogas e crimes e acabam no sistema prisional.”
Para o advogado, são necessárias intervenções e programas sociais que preparem os adolescentes para a emancipação econômica e social e para a autonomia enquanto ainda estão nos abrigos. “Por meio da escolarização, profissionalização, ensino técnico, formação profissional, bolsas de estudos, programas de estágio e aprendizagem. Há também necessidade de trabalhos de reaproximação deles com suas famílias de origem ou com famílias extensas, como avós e tios, ou a inclusão deles em programas de apadrinhamento.”
Na opinião do especialista, o auxílio emergencial adotado na pandemia deveria ser uma política pública permanente de renda básica para jovens egressos de serviços de acolhimento. “Esses jovens deveriam ser incluídos como prioritários para receber o auxílio, isso ajudaria a diminuir a população de rua e do sistema prisional.” (Agência Brasil)