Sítio paleontológico no Paraná revelou quatro espécies de animais
Uma escavação na beira da estrada para escoar a água da chuva acabou revelando um dos sítios paleontológicos mais importantes do Brasil, localizado em Cruzeiro do Oeste, no Noroeste do Paraná. O local ficou famoso em junho deste ano, quando foi revelada a descoberta do primeiro dinossauro encontrado no Estado, o Vespersaurus paranaensis.
É reconhecido também por ter, possivelmente, a maior concentração de pterossauros do mundo – até agora, duas novas espécies dos répteis voadores já foram descobertas no sítio, onde também foi encontrado o Gueragamas sulamericana, um pequeno lagarto que viveu no período Cretáceo, há cerca de 80 milhões de anos. Há apenas outras duas áreas no planeta com um número tão grande de fósseis de pterossauros, na província chinesa de Xinjiang e no deserto do Atacama, no Chile.
Para mostrar à população os fósseis encontrados na cidade e também fazer pesquisas com os materiais coletados, a prefeitura criou o Laboratório e o Museu Paleontológico de Cruzeiro do Oeste, com apoio da Universidade Paranaense (Uipar), que cedeu equipamentos para os trabalhos no laboratório, e acordo de cooperação técnica da Universidade Estadual de Marina (UEM), por meio do Grupo de Estudos Multidisciplinares do Ambiente (Gema).
O museu foi inaugurado em julho deste ano, é aberto para visitação durante a semana e tem atiçado a curiosidade dos visitantes com os materiais pré-históricos que mostram as espécies que habitaram o Paraná milhões de anos atrás.
A historiadora e diretora do museu, Neurides Martins, explica que a descoberta dos fósseis chamou a atenção do mundo para Cruzeiro do Oeste e para o Paraná. “Trata-se de uma espécie de dinossauro única e que gerou visibilidade no mundo todo. Temos recebido aqui pessoas dos Estados Unidos, Portugal, Dubai, Espanha e Bélgica que estão de passagem pelo Brasil e vêm para Cruzeiro do Oeste visitar o dinossauro”, conta.
Além disso, o museu contribui para que as pessoas que moram no interior do Paraná conheçam mais sobre sua história. “O município teve a percepção do valor patrimonial desses fósseis e os manteve na cidade. A tendência geralmente era que fosse levado aos grandes centros urbanos”, diz o fotógrafo e paleontólogo Paulo Mazig, que descobriu o sítio paleontológico e também está envolvido nas pesquisas das espécies encontradas no local.
“Além da pesquisa que ajuda a compreender um pouco mais sobre a vida no planeta, os fósseis contribuem com o desenvolvimento do turismo, educação e cultura no município. Muitas vezes a população do Interior não tem acesso a materiais como esses nem o privilégio de conhecer a própria história. No caso, sua pré-história”, destaca o professor Edison Fortes, da UEM, que pesquisa a formação geológica da região e dá uma visão sobre as condições em que os animais viviam no Cretáceo.
PATRIMÔNIO – A criação desses espaços também serviu para manter o patrimônio na região. O material proveniente das escavações que ocorreram entre 2012 e 2014 foram enviados para pesquisa na Universidade Federal do Contestado, em Mafra (SC), e para o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, e retornou para o município em 2015. A prefeitura criou, então, o Laboratório de Paleontologia para recatalogar e fazer novas pesquisas com os fósseis.
Foi assim que Neurides acabou descobrindo o esqueleto do vespersaurus. Antes disso, o sítio já tinha revelado o pterossauro Caiuajara dubruskii, cujo nome científico homenageia o agricultor que encontrou e registrou o primeiro fóssil na década de 1970 e também a formação geológica local, o Arenito Caiuá.
A maior parte dos fósseis de Cruzeiro do Oeste é composta pelo caiuajara, réptil frugívoro que pesava cerca de oito quilogramas e podia atingir até 2,35 metros de envergadura. Recentemente, a Universidade do Contestado anunciou a descoberta de outra espécie de pterossauro que viveu na região, o Keresdrakon vilsoni.
DESCOBERTA – Em 1971, o produtor rural Alexandre Dobruski resolveu abrir uma valeta na beira da estrada por onde transitava para escoar a produção de sua propriedade, e que ficava escorregadia em dias chuvosos. Acabou encontrando na escavação uma rocha com o que parecia ser um fóssil animal. Intrigado com a descoberta, ele entregou a alguns parentes a rocha que achou, que a levaram para a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). O material ficou guardado por 40 anos, já que na época em que chegou na universidade o conhecimento sobre pterossauros era quase nulo.
A história por trás da redescoberta do sítio, em 2011, tem uma pitada de coincidência. O geólogo Paulo César Manzig foi até a UEPG quando preparava um livro sobre os museus paleontológicos no Sul do Brasil. Lá, foi apresentada a amostra do fóssil enviada por Dobruski nos anos 1970. Ele reconheceu o crânio de um pterossauro, animal difícil de ser encontrado fossilizado devido à fragilidade de seus ossos, e resolveu ir até Cruzeiro do Oeste para procurar por mais indícios.
“Cheguei na prefeitura para procurar um guia que me levasse onde tivesse rochas com aquelas características na região. A ideia não era achar o sítio, mas algum afloramento de rocha que pudesse comparar com aquela matriz onde estava o crânio”, conta Manzig. “O filho do agricultor era escrivão na prefeitura e ouviu minha conversa, disse que o pai contava uma história de que tinha mandado algumas rochas para análise. Pensei na hora que só poderia ser aquela pessoa”, diz.
Ao chegar no local, o fotógrafo já reconheceu no barranco as pontuações de ossos, mas a surpresa foi maior ainda quando percebeu que ali não havia apenas uma ocorrência isolada, mas uma grande concentração. “Quando vi aquela linha, percebi que se tratava de uma bone bed, ou leito de ossos, termo que é utilizado quando se encontra uma grande concentração desse material”, afirma.
“A descoberta ali foi ainda mais importante por se tratar de uma preservação fora do comum, já que o esqueleto mais fino e leve dos pterossauros era mais difícil de ser fossilizados”, explica Manzig.
FORMAÇÃO – O sítio paleontológico se encontra no famoso Arenito Caiuá, formação geológica originada no período Cretáceo (de 145 milhões a 65 milhões de anos atrás). Pesquisadores da UEM envolvidos na pesquisa do Vespersaurus paranaensis destacam que o local era um ambiente de deserto.
Para explicar a grande concentração de fósseis em um ambiente assim, os pesquisadores recorreram à área da estratigrafia, ramo que estuda a sucessão de camadas ou estratos de um corte geológico. “Era difícil entender como um ambiente desértico concentraria um uma quantidade tão grande de fósseis animais. Chegamos à conclusão que ali existiam os chamados rios efêmeros, que só têm água em períodos de chuva forte, algo como um oásis”, explica o professor Edison Fortes, pesquisador do Gema e professor do departamento de Geografia da UEM.
São esses rios efêmeros que explicam o berço de ossos encontrado em Cruzeiro do Oeste. A fossilização não é um fenômeno comum. Para que a conservação de plantas ou animais acontecesse, era preciso um soterramento rápido, que isolasse a carcaça do oxigênio e, consequentemente, evitasse sua decomposição rápida. A carcaça era então substituída por minerais, que penetravam no material orgânico até sua completa fossilização, adquirindo a forma dos animais ou plantas.
De acordo com Fortes, é provável que uma enxurrada tenha arrastado os animais e os cobriu de areia. “As chuvas não eram frequentes, mas quando chovia era de forma muito rápida e concentrada, causando grandes torrentes que pegavam os animais desprevenidos e acabavam os soterrando”, explica. “Como o local era um oásis, existia grande quantidade de animais vivendo em comunidade, uma diversidade muito grande”, diz o pesquisador.
Para Paulo Manzig, a grande quantidade de esqueletos de pterossauros filhotes ou de animais jovens indica que ali era um local de acasalamento e procriação. Para os animais mais novos, era ainda mais difícil fugir das enxurradas, por isso acabaram fossilizados.
DINOSSAURO – Cerca de 20 fósseis de dinossauros já foram descobertos no Brasil, e o Vespersaurus paranaensis é o primeiro do Paraná. É também o esqueleto de terópode – mesmo grupo de predadores como o tiranossauro e o velociraptor – mais completo e melhor conservado do País. A descoberta foi registrada na revista Nature, uma das publicações científicas mais importantes do planeta.
Foram quatro anos escavando um bloco de aproximadamente 200 kg até a descoberta de um dente com serrilha, o que indicava ser um animal carnívoro. “Como já havia encontrados outros fósseis de dinossauro, precisava encontrar algo especial que comprovasse o que já vinha estudando”, conta Neurides. “Foi quando encontrei o pé completo, que viria a ser o holótipo (a ilustração que figura uma espécie) do primeiro dinossauro do Paraná”, explica. Ele tinha cerca de 1,6 metro e se alimentava de pequenos animais.
Cerca de 40% do esqueleto foi encontrado, incluindo um dente, vértebras da calda, os metatarsos, as escápulas, a parte pélvica e o pé completo. Estudos tomográficos feitos no laboratório de paleontologia da USP de Ribeirão Preto comprovaram se tratar de um terópode. “O pé tem uma garra em formato de lâmina. Também ficou demonstrado que o animal se apoiava em apenas um dedo, o que definiu que se tratava de uma nova espécie”, explica Neurides. “A anatomia do pé também se encaixava em pegadas que um pesquisador italiano descobriu 50 anos atrás na região Noroeste”, destaca.
Para Neurides, a pesquisa ainda não acabou. “Ainda existe muito material que já foi retirado do sítio para analisar, é possível que mais ossos sejam encontrados. Se isso acontecer, revisaremos a pesquisa. Assim que todas as rochas que estão no laboratório forem analisadas, poderemos retomar as escavações. Há a possibilidade de encontrar mais espécies”, afirma.